Monthly Archives: Novembro 2008

[medicina desportiva] só eu sei

Hoje vou a Alvalade. Hoje vou ver a equipa às riscas verdes e brancas.

Comecei a ir ao futebol muito cedo. O meu pai tentava injectar-me no corpo um pouco do seu sportinguismo. Comprava-me com um bandeirinha que eu agitava furiosamente para desespero do senhor da frente. Mas, na realidade, nessa altura olhava para todo o lado menos para o jogo. Perdia todos os golos, assustava-me com os gritos da multidão.

Passei depois para uma fase diferente. Passei a ir aos jogos todos. Chuva, frio, granizo, nada me impedia de ir a Alvalade. Agora era eu que arrastava o meu pai, que já torcia o nariz ao estado do tempo, à hora tardia, ao jogo que até dava na televisão. E nunca nos arrependíamos. Voltávamos enregelados ou encharcados mas a comentar as jogadas e as substituições.

Ultimamente, com tantos bancos e urgências internas, tenho andado mais afastado. Sofro como dantes. Se estou de banco e o Sporting está a jogar naquela altura, ando meio perdido, tento saber o resultado de minuto a minuto. Se o banco está calmo, até sou capaz de puxar de um radiozinho.

Mas hoje vou lá. Vou cumprimentar todos os que têm lugar ao pé de mim (sim, eu tenho lugar de leão), vou-me sentar numa cadeira que tem o meu nome escrito. Vou abraçar o meu pai se for golo dos nossos. E é isto que agora é o futebol para mim. Ir com o meu pai, vibrar com ele. É o nosso programa pai-filho, aquele que nos une há uns 25 anos e que eu sei que se vai manter até ele poder ir comigo.

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[estetoscópio] 1001 canções que têm que ouvir antes que seja tarde (2)

2. Jesca Hoop – Big Fish

Jesca, Jesca, Jesca. Um turbilhão de boa disposição com crianças a saltar ao som da tua música. Ambiente de circo que me enche de alegria.

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[raio x] natal

Natal em Cascais, perto do hospital…

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… e da janela de nossa casa. Fica tão bonita, a igreja, no Natal.

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[momento lexotan] vou ser como tu

És velho. Estás velho. Já viveste, já viveste muito. Lembras-te de tudo na década de 40, lembras-te o que disseste à tua mulher no dia em que a pediste em casamento, lembras-te do sorriso dela. Mas não te lembras de tomar os comprimidos nunca. Nem te lembras de mim que te vi ontem e que te disse que estavas melhor.

[O senhor saia da minha casa, por favor. O senhor é médico ou enfermeiro? Chame a minha mãe, preciso de a ver. Alice, vem cá. Olha quem está aqui.]

Tens os ossos descarnados. A clavícula, um promontório que circunda o pescoço. As pernas, essas mesmo que calcorrearam quilómetros, que lavraram hectares, estão magras, um fio de azeite daquilo que eram. Consigo ver todas as tuas costelas. A tua barriga é um buraco, um fundo buraco. Tens a fralda suja, tens a boca seca. Tens os olhos baços e o peito arfa por mais um pouco de oxigénio. E sou eu que te quero salvar. Sou eu que te quero a viver por mais uns meses, para que possas procurar o sorriso da tua mulher, para que possas voltar aos teus álbuns de música, esses que tresandam a mofo lá no lar.

Será assim que serei um dia? Será que o meu fim é isto mesmo, assim como eu vejo? Às vezes, tenho medo. Sempre que vos ausculto tenho medo. Medo dos hospitais. Não estes, mas os de daqui a 50 anos, quando já não for médico, quando for apenas um de vós. Tenho medo de gritar que sou médico e ninguém acreditar. Chamar pela minha família e ela não estar. Apenas um ser de azul a mudar-me a fralda

[não toque aí, por favor…]

e dois de branco e estetoscópio ao pescoço com ar de enfado.

[levem o velho lá para dentro]

Sou médico. Fui médico, rapazinho, tratem-me bem, se faz favor.

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[momento lexotan] internistas

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A cena repete-se amiúde. Sempre que se conversa pela primeira vez com outra pessoa. Sempre que a medicina vem à conversa.

Qual é a tua especialidade? Medicina interna. (balbucio). Ninguém sabe o que é. Eu também não sei explicar. Fico assim a dar umas respostas meio parvas. É a pediatria dos adultos ou Somos os clínicos gerais dos hospitais. Normalmente, o outro fica na mesma.

Mas agradou-me a definição da wikipedia (quem diria?!). É a especialidade médica que trata de pacientes adultos, actuando principalmente em ambiente hospitalar. Inclui o estudo das doenças de adultos, não cirúrgicas, não obstétricas e não ginecológicas, sendo a especialidade médica a partir da qual se diferenciaram todas as outras como cardiologia e pneumologia.

Ora tomem lá e vejam se não é fácil de entender.

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[estetoscópio] 1001 canções que têm que ouvir antes que seja tarde

1. Keren Ann – Lay Your Head Down

Adoro as palminhas. Simplesmente, adoro…

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[momento lexotan] i’m so tired

Ontem, mais 24 horas de banco. E mais um banco mau, mauzinho.

A tristeza de entrar no serviço de urgência às oito horas da manhã e ser rodeado por um cenário de inferno. Macas e mais macas. Doentes a respirar para cima de outros doentes. Senhoras ao lado de homens. Uma doente internada no chão porque as macas disponíveis tinham acabado. Demorámos uma eternidade a passar o banco. A passagem de banco é o momento em que a equipa que está a sair passa à equipa que entra todas as informações relativas aos doentes que se encontram internados.

Depois vem o pequeno-almoço. Um convívio curto entre as duas equipas. Também nesta altura a chefe de equipa divide os doentres internados por todos os elementos da equipa. Nove doentes a cada um. Nove é muito. É preciso falar com cada um deles, observá-los, fazer a folha de terapêutica para aquele dia, ver as análises e pedir os exames necessários. Nove vezes. Este processo é interrompido com pedidos de observação dos balcões, homens e mulheres, onde os médicos que fazem o atendimento inicial nos pedem a nossa opinião.

Acabei de ver os doentes da manhã a meio da tarde. E então começamos a internar os doentes que ficaram pendentes. Fazemos também as transferências para os serviços de doentes que já se encontram estáveis, isto se houver vagas. Tudo isto dura até ao jantar.

A partir deste momento, faz-se a diferença entre um banco bom e um banco mau. No banco bom, há internamentos pontuais, que se fazem com calma, com tempo para pensar. No banco mau, os internamentos acumulam-se até horas impróprias em que a cabeça tomba sobre os papéis, em que os bocejos são de minuto a minuto.

Ontem foi um banco mau. Ontem acabámos todos, desde internos a chefes, de avaliar doentes às 4 horas da manhã. Um doente em choque séptico deu-nos especial trabalho. Logo a seguir, um edema pulmonar agudo em que não conseguíamos baixar a tensão arterial de maneira nenhuma. Quando finalmente estendi as pernas, tocou imediatamente o telefone. Uma doente internada na pneumologia tinha caído ao tentar levantar-se e tinha a cara ferida. Subi três pisos para constatar que era mais aparato do que estragos.

Dormi duas horas e meia. Acordei com o despertador do telemóvel, desorientado. Demoro sempre a perceber onde estou, numa escuridão que não me parece a minha casa. Tempo ainda para uma reanimação, um velhote que tinha vomitado e engasgado, entrando em paragem respiratória. Resolveu-se.

Agora é a nossa vez de passar o banco à equipa que vem. É a nossa vez de parecer desgrenhados e pouco acordados, mesmo assim com um ar mais feliz do que os outros. Voltamos ao pequeno almoço e depois para a enfermaria. E esta é a parte que custa mais. Sentir que está a começar um novo dia, apesar de para nós já ser o segundo.

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[raio x] mar adentro

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Ontem, na marginal, a caminho do hospital.

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[videoscopia] hurt

O que eu queria ser quando fosse grande… o que eu queria mesmo ser, assim sem tirar nem pôr, com a camisa negra e a guitarra, com a voz já gasta, com a vida assim vivida, o que eu queria mesmo, mesmo ser era ser o Johnny Cash.

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[raio x] azulejos

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Convento de Cristo, Tomar

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[momento lexotan] ilusões de óptica

… ouvido da boca de um familiar de um doente internado ontem no serviço de urgência do hospital de Cascais.

Não sabia que estavam em obras.

Pois. Não estamos.

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[espólio] trolls

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Os meus trolls. O da esquerda, tem-me acompanhado há muitos anos. O maior é mais recente.

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[história clínica] heartbeats

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Mais um enfarte ontem à noite. A horas impróprias. Sempre achei que a minha equipa de banco tinha sorte nas noites, mas estas duas últimas começam-me a fazer pensar o contrário. Ultimamente, as noites têm sido um estado de sítio de doentes graves, a uma hora a que a cabeça já não funciona tão bem.

Era meia-noite e meia. Entrou um homem de 65 anos com cara de enfarte. Existe a cara de enfarte. Acinzentado, suado, muito ansioso, um certo esgar de pânico, mão no peito. Às vezes, quase nem é preciso fazer o electrocardiograma para ter o diagnóstico. Só veio confirmar.

Nem telefonei para o Hospital de Santa Cruz. Estou farto de ser insultado de madrugada. Transferi o doente para a cardiologia de Santa Marta. É a eles que eu gosto de entregar os meus doentes. Tratam-me bem, de sorriso aberto, sem críticas injustas, infundadas.

Regressei já de madrugada. Na ambulância, de pés pendurados em cima da maca, a ver a cidade já adormecida, a auto-estrada deserta. O dever cumprido.

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[exame objectivo] you know you want it

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Mais 24 horas de banco. Muitos doentes, alguma confusão. O costume. Macas, gritos, seringas infusoras, apitos, máscaras de oxigénio numa parafernália que me faz sentir (quase) em casa.

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[história clínica] o menino dela

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Ontem, foi tarde de consulta. Sempre gostei da consulta, apesar de ser à sexta à tarde, o que não deixa de ser um grande aborrecimento.

Chamei uma doente, uma velhota simpática. Vou sempre chamar os doentes à sala de espera e vou a conversar com eles até ao gabinete. Eles adoram e eu também. É aquela parte em que eu pergunto pela família, pelos netos, pela horta… a parte social da consulta.

Esta doente trata-me por Meu Menino. Não trata por senhor doutor, nem por você. Meu menino. Ao princípio estranhei. 30 anos, barba, bata e estetoscópio, mas para aquela senhora eu sou o menino dela. Não consigo pensar numa manifestação maior de carinho. E sorrio por dentro. Como um menino…

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[exame objectivo] starbucks mania

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Uma semana. Três vezes. Isto pode-se tornar num problema. Pode, pode…

Duas palavras para vocês… Caramel Machiato.

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[história clínica] supermodel goes home

A minha supermodel (ver aqui) vai embora hoje para casa. Entre muitos agradecimentos dela e da família, cometi uma gaffe. Estava a falar com o marido, a pensar que estaria a falar com o filho. É que ele é 25 anos mais novo do que ela (87 menos 25 = 62 anos).

A explicação dela é simples. Gosto de homens mais novos, doutor. Para velha, já basto eu…

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[momento lexotan] carta aberta a todos os projectos de médico

Existe tanta gente nas escolas secundárias a querer ingressar no curso de medicina. Dou-me conta disso em inúmeros blogs, em reportagens de televisão, nos jornais. Vão para Espanha, para a República Checa, fazem de tudo para ser médicos. Às vezes, acho que a maioria deles não sabe para o que vai, não sabe o que vai ser o seu quotidiano para o resto da vida.

Deixem-me ajudar-vos. Deixem-me falar no que se passa comigo todos os dias, desde que entro no hospital. Deixem-me contar-vos o que vejo nas enfermarias e na urgência. O bom e o mau. O que me faz continuar e o que me faz duvidar. Deixem-me ter a conversa que gostaria que tivessem tido comigo há 12 anos atrás.

Os médicos fazem bancos. Às vezes uma vez, muitas vezes duas, por vezes 3 vezes por semana. Os bancos de 24 horas custam. Custam anos de vida. Eu faço sempre bancos de 24 horas. Começam às 8 horas de manhã e só se pára para comer. O tempo não passa lentamente. O tempo passa a correr porque escorrega-nos por entre os dedos das mãos. Não há tempo para fazer tudo o que é urgente. E quando acaba o banco, de novo às 8 da manhã, começa um novo dia, ou seja, temos que ir para a enfermaria ou para a consulta continuar a trabalhar.

Preparem-se para ver e fazer coisas repugnantes. Pús, expectoração, diarreia e vómitos são constantes diárias. Toda a gente fala do sangue, mas o sangue é o mais limpo com que deparamos. Temos que fazer toques rectais (sim, enfiar o dedo no rabo dos outros), observar doentes imundos (os sem-abrigo também vêm à urgência). E há cheiros inacreditáveis no ar, a suor, a urina fétida, a melenas (fezes com sangue).

A população está velha, tão velha que ninguém no mundo exterior tem essa noção. Porque os velhos estão em lares, e só saem de ambulância para irem para o hospital. E acumulam-se em macas e mais macas nos serviços de urgência dos hospitais. E os velhos não falam, não respondem, não riem. Estão num mundo só deles, cheios de febre e de expectoração.

Os familiares estão cada vez mais exigentes, a um ponto insuportável. Têm uma atracção inacreditável pelo livro amarelo, essa nova instituição de Portugal. Esse dogma da figura do médico intocável e admirado, simplesmente já não existe. Somos (e ainda bem…) profissionais como outro qualquer, a quem é suposto cobrar pelo bom ou mau desempenho. Parece que andamos sempre com a cabeça na guilhotina, à espera do primeiro erro.

O dinheiro. É claro que há médicos que ganham muito dinheiro. Não o vou negar. Não é, obviamente, o meu caso. Escolhi uma especialidade (a medicina interna) de sacrifício e pouco lucro. Que me perdoem outras especialidades, mas nunca conseguiria tratar só olhos, ou só pele a vida toda. Estudei medicina para tratar o corpo todo. Estudei medicina para tratar enfartes e pneumonias, avc’s e anemias. O doente é um ser e não é pedaços dele próprio. E na minha especialidade, trabalha-se nos hospitais públicos a servir a população. E o estado não é grande patrão, como todos nós sabemos.

Mas apesar de tudo a medicina é fantástica. Permite experiências que mais nenhuma profissão permite. Emociona-te, faz-te chorar e rir. Chegamos a casa cansados mas satisfeitos. Quantas pessoas ajudámos, quantas pessoas melhorámos. E mesmo os doentes que pioram, ou que morrem, sabemos que foi tudo feito, que a vida é assim mesmo.

Por isso vos digo, não hesitem. Vão em frente. Tudo o que é mau, acaba por passar. O que está bem, fica para sempre. Se se sentem preparados, é porque estão. Se se sentem com dúvidas ou receios, não há nada que a experiência não esbata ou anule. Cá nos encontramos. Até breve.

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[exame objectivo] dias assim

Gosto do dias assim. Tornou-se leitura diária, compulsiva, obrigatória, nos últimos dias. Dias assim.

E gostei muito deste post em que fala da sua relação com a medicina, com os médicos, com o voluntariado. Em que descreve o lado humano dos médicos. Em que confessa-se com vontade de ter sido médica, apesar de achar que não teria sido capaz.

E eu respondo. Claro que tinha sido capaz. Claro que sim.

Pus-me a pensar no que é necessário para se ser médico. Que características são indispensáveis em alguém que tem o desejo de enveredar por esta carreira?

Conhecimentos técnicos, sem dúvida. Ninguém quer um médico que não sabe o que está a fazer. Empatia com os doentes, também. Ter alguma paciência para ouvi-los mesmo quando estamos com pressa ou atrasados no trabalho. Gostar de falar com as pessoas. Espírito de sacrifício. Vontade de fazer as coisas bem. Ter organização também é importante.

Se pensarmos bem, em que é que isto difere de ser professor ou de outra profissão social? Percorrendo todas estas características, qual é a que não é fundamental num professor também?

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[medicina desportiva] meia-dois

Preparava-me para tomar o pequeno-almoço em casa, como habitualmente. Liguei a televisão para ver as notícias da manhã, como habitualmente.

6-2. 6-2? Seis? Hóquei em patins? Futebol? Até o leite coalhou.

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